Tuesday, August 02, 2005

Suicídio literariamente assistido

É incrível a quantidade de pessoas sós. Não há nada a fazer: arrastam-se em iguais doses de desespero e complacência. Varrem a cidade munidos de livros, jornais e revistas. É a arma com que tentam combater a solidão. O que a maior parte deles não sabe, ou amaldiçoa o dia em que souber, é que a arma com que se defendem é a mesma arma com que se matam a eles próprios. É um suicídio literariamente assitidos. Nada mais.

É uma chatice, é um facto. Não podem andar sempre sob escolta. E afinal os livros, as revistas e os jornais e as músicas que os amparam, não são nada mais do que uma forma inferior de existência. A vertigem de uma música poderosa pode fazê-los viver, por meros instantes, instantâneos e instintivos momentos de uma descarga quase vulcânica que parecem desconhecer, mas que os faz acelerar o passo e o batimento cardíaco. Mas eles, sobretudo eles, os sós, os isolados, os que necessitam de estar sozinhos para sobreviver, sabem no fundo, bem lá no fundo, que não há justificação (a não ser a própria incompetência) para passarem tanto tempo sozinhos - perante os olhares indiscretamente íntimos dos que os rodeiam e sabem desta sua entropia.

E, depois, distorcem-se. Procuram, incessantemente, uma teoria pessoal qualquer que os alivie desta sua displasia existencial. Olham para as pessoazinhas estúpidas, habituam-se a pensar que elas - coitadas! - nem pensam muito bem no que fazem e muito menos no que dizem, mas a verdade verdadinha é que as pessoazinhas estúpidas são eles. Habituam-se a controlorem-se com os cenários mais ou menos decadentes dos livros que têm e preferem-nos, de longe, aos cenários mais ou menos decadentes das suas próprias vidas.

Porquê? Boa pergunta. Mas acho que nem eles sabem.

by fiona bacana

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