Wednesday, April 13, 2005

Episódios de imortalidade

«If there’s a better place you can take me/a better life you can give me/ whatever place where i can start all over/ Then I’d never need what you gave me/never need you to save me/ and never feel like this life is over. »

A música estourava com violência nos headphones, como pedia ansiosamente desde manhã, espancando os neurónios na esperança que algum, um, só um, fosse capaz de alterar o ritmo e o tom parasitante e pária do raciocínio em trajectória de bilhar. A brutalidade da ingratidão, a ironia acintosa que comanda e formata os seus instintos, como as rajadas de vento em altura de tempestade tropical – o céu carrega-se da carga eléctrica que alimenta os olhos raiados de raiva, escurece com o cinza das memórias que ficaram lá longe mas que torturam quem de nada tem certezas, rugindo, maquiavelicamente, duas ou três frases debitadas com sofrimento. Não o sofrimento clássico do destempero, as mãos trémulas e os olhos entornados de água. São quase olhos fugidos, como se o olhar parado obrigasse a parar o pensamento e a parar o sentimento. É antes o sofrimento próprio de quem sabe que as palavras nunca chegam, nunca mostram o que podem, nunca dizem tudo. Sempre lhe pareceu um jogo inútil e de falsa complexidade: se a palavra nunca traduz o que se pensa, ou pelo menos tudo o que se pensa, é um jogo perdido. Não há vitória possível, as pessoas estão condenadas a não comunicarem e a, muito menos, conseguirem algo de produtivo com a comunicação.

Os toldes vermelhos, reparou novamente, condizem com o vermelho dos pacotes açucarados inchados. E com o seu maço de cigarros, caixa de estimação que vai consumindo avulso sem qualquer tipo de explicação. Não que esteja particularmente nervosa ou calma, mas parece que os dedos não conseguem fazer muito mais do que o trajecto da água para o café e deste para levar o cigarro à boca. Mimetizou esta anuência com um novo cruzar de pernas.

E voltou a olhar para o relógio, sabendo da inutilidade da coisa, até porque o tempo deixa de contar quando nos sentimos imortais - o tempo é uma corrida simplesmente inexequível porque seremos sempre jovens e já chega, para desafio, levar o dia até ao fim sem desgraças de maior. Talvez as pessoas devessem saber que não podemos ganhar ao tempo. Talvez, enfim, o desprezando, ganharemos poder sobre ele.

by fiona bacana

No comments: