Monday, May 09, 2005

Do 2.20 (TGV)

«Custa-me ouvir-te falar assim de ti própria.»

E, irónico, também eu ouvi alguém dizer-me precisamente isto.
Na altura, senti que eram os bons olhos da pessoazinha que a levava a tamanha aberração. O que gostava em mim reflectia-se na sua incapacidade e intolerância para lidar com o meu esquema mental dizimador de mim própria. Ela chamava-me isso. Eu chamava-lhe madrinha.

Como ela dizia: tu não precisas de inimigos, és a principal inimiga de ti própria. Nem tens nada a recear na vida, porque mais ninguém tem o potencial de te fazer mal como tu tens o talento para te auto-destruires.

Concordei moderadamente. Mas sempre senti que a avaliação não era objectiva (ou o quão objectiva se pode ser nestas coisas) e dei o desconto com um sorriso enternecedor, ainda que descrente.

Mas contigo é diferente. Que te sintas mal ao ponto de não teres ar para respirar, compreendo. Compreendo que sintas, pior do que sozinha, só. Que sintas o que todos nós sentimos a uma determinada altura: angustiados, revoltados, feridos, sentidos pelo sentimento de termos sido enganados….isto afinal não é o que nos venderam! Não há um testo para cada panela, nem é garantido que alguma vez cheguemos a sentir o que toda a gente foi ensinada a achar: os happy ends não abundam.

Tudo isso eu compreendo. Custa-me ver-te assim, porque faz de toda a gente à tua volta impotente, mas compreendo. E não é ver-te a perder a inocência que me custa, porque não é muito diferente de perder a virgindade: é por um bem maior.

Agora o que me custa mesmo é ver-te a falar assim de ti própria. Porque, mesmo não sendo a objectividade o meu forte (simplesmente porque para mim é uma falácia), sou capaz de me distanciar e perceber que pior do que o tempo de vida que perdes, é estares a criar uma ideia de ti própria claramente inferior e desajustada.

Tu não és assim, tu não és o que dizes. Estás é a aprender a sê-lo. Ao ponto de começar a fazer parte de ti própria. Irónica, amargurada e, pior do que tudo, começas a ficar confortável nessa pele…e estás a acreditar nisso. A acreditar no que te fazem sentir, para te manterem, instrumentalmente, nessa situação. Porque é assim que tu te vais ficando aí, como se quer…menininha obediente, com desafio q.b. (mas tudo muito limitado) e auto-desvalorizante. Só assim te manténs à mãozinha de semear.

by fiona bacana

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