Há clientes que nos levam tudo, e é esse o propósito da psicoterapia. Levam-nos como porto seguro para novas descobertas, que criem erosão e desgastem a percepção disfuncional (porque lhes cria sofrimento) que têm deles, dos outros e do mundo.
Para isso, fui treinada. Transferência e contra-transferência, tudo pelo processo psicoterapêutico.
Há clientes, no entanto, que nos deixam tudo. Uma 'sensação de dor, profunda e estrutural, sem objecto' - lembro-me até hoje dessa expressão da Professora. Deixam-nos um peso, transportam a angústia para nós, e cabe-nos saber lidar com ela.
No meu relatório de estágio escrevi: ser psicólogo não é uma profissão - é uma profissão de fé.
Não trabalho com o tangível. Não consigo agarrar o que trabalho em consulta, não o consigo partir, fatiar, ou decompor, numa arte de atomismo.
E que conforto que isso dá às vezes. Imprimir uma folha e arquivá-la. É aquilo, não é mais nada.
Hoje, hoje mesmo, sinto que ser psicóloga é a pior profissão do mundo. Ver um cliente que deposita em nós o que às vezes nem deus sabe, tem tanto de honroso como angustiante.
Amanhã, porém, voltarei a achar que até sou capaz de ter algum talento para a coisa. Nunca perdi nenhum, não vai ser agora o primeiro. Mas hoje...quero é que o dia acabe rápido.
by fiona bacana
Monday, June 06, 2005
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4 comments:
Estranho trabalho esse de construir pontes sem recurso aos afectos e tentar manter as coisas separadas com o papel que se arquiva. Não deve ser fácil, mas também acredito que agora o mais dificl é desistir, não tens estilo de desistente nem perfil de perdedora. Mas depois de uma consulta consegue-se começar de imediato a pensar "mas que raio afinal vou fazer para o jantar?????"? Julgo que não....
Excelsior
'Estranha forma de vida', já diria a outra.
Mas não é bem deixar de lado os afectos, é torná-los ilusoriamente bilaterais, quando o objectivo é reforçar a unilateralidade. Em português: não é pôr os sentimentos de lado, é utilizá-los, catalizá-los, mas...unilateralmente, de forma a que n sejas atingido. Não quer dizer, em senso comum, q n tenha carinho pelos meus clientes. Só que em psicologia isso chama-se 'empatia, genuinidade, aceitação incondicional', e é ingrediente para a construção psicoterapêutica. Ie, manipuladamente utilizado em processo.
Mas vou reter o teu elogio ('não tens estilo de desistente nem perfil de perdedora'), como algo de bom que o dia de hoje me deu.
Obrigada!
fiona bacana
Dra. Fiona, sabemos que o seu trabalho +e difícil, o meu tb o é! Se precisar de alguma coisa, passe lá no meu Gabinete e tratamos do seu caso.
;) LoL
Sean Bacana
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