Este não seria um dia muito diferente dos outros. Levantou-se muito mais cedo que o habitual, porque os números do despertador custam a passar. Até hoje nunca viu ninguém relacionar tempo e peso. O tempo passa lento quando é pesado, mas porque é que o tempo não se mede em quilos? ‘Time’s too much for me’, lembrou-se da música que repetia até à exaustão, recuando ao tempo em que tudo parecia uma inenarrável sequência de esperas eternas, ansiando momentos de explosão relacional, em que uma nova pele era criada, construída e testada. O tempo, antes, era o tronco do castanheiro em que se escondia nos intervalos da escola. Nunca percebeu o que a levava a isolar-se em determinadas alturas, mas desaparecia estrategicamente e subia os ramos do castanheiro. Gostava de ver a realidade lá de cima. E mais uma vez olhava para o relógio, quando já sabia ver as horas mas os minutos eram horas e as horas eram dias. O seu espírito científico, condicionado de forma óbvia pelo padrasto cuja profissão vivia de números, ordenava, à altura, que os ramos onde se alojava se transformassem nas bancadas do seu laboratório. E aí desmontava os ponteiros do relógio, uma destreza que nunca antes havia sido valorizada, tirava todas as rodas e colocava tudo de novo no sítio. Um sentimento de conquista. Eu desmonto, eu volto a pôr tudo no lugar. Aí percebeu o sentimento confortante que o controlo dá, apazigua o medo da perda e fecha a caixa dos fantasmas. É que só o controlo sobre as coisas físicas dá pode apaziguar o desespero que sobra da intangibilidade da vida. Daí a arrogância, daí uma altivez cultivada ao nível da neo-mistificação, para reacção imberbe de quem a rodeava. Daí ter a exacta noção do fascínio que uma determinada franja da vida, com paralelo em todas as civilizações, começou cedo a exercer nela. Um fascínio de tom mortal.
by fiona bacana
Monday, June 13, 2005
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