" O que eu acho, francamente, que é patológico, é o Fernando Pessoa ter morrido há mais de cinquenta anos e a edição crítica das suas obras completas estar ainda por fazer! Em vez disso, e como não há talento suficiente para o ler, anda-se a discutir se ele era esquizofrénico de manhã e paranóico à noite, se era um pouco mais histérico aos domingos e um pouco mais deprimido aos dias de semana. Lembra daquela passagem do «Lisbon Revisited» (de 1923):
(...)
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim.
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho
(...)
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Ó céu azul - o mesmo da minha infância -
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo
(...)
Aqui a Tempos estava na moda fazerem-se grandes conjecturas críticas para avaliar a extensão exacta da homossexualidade do Pessoa. E mais recentemente, houve não sem quem que descobriu que ele, afinal, frequentava um bordel, o que, no parecer judicioso e mórbido desses voyeurs, obrigaria a rever todas as conjecturas especiosas feitas até aí acerca das suas disposições homossexuais. Andava tudo a espreitar para o pénis do Pessoa para ver o que é que ele fazia com ele.
O que eu acho que é patológico, é que em Portugal ninguém lê Pessoa. Toda a gente fala dele, mas ninguém o lê. Anda-se à volta dele como um bando de indígenas à volta de uma carcaça de um avião que acabou de caír no mato, mas ninguém o lê. As edições das suas obras esgotam-se constantemente, mas é só no estrangeiro. Aqui não. Aqui a gente lê o Eça e o Saramago.
O Pessoa era doente, como toda a gente, mas sabia bem que o era, e além dissotinha a grande saúde da sua própria genitalidade. As pessoas são doentes, não sabem que o são, e nunca viram a cor a essa forma de saúde. E nem sequer têm a saúde mais básica da curiosidade, e menos ainda a da generosidade. E como não têm, ao menos, a grandeza suficiente para reconhecerem a inveja surda que provavelmente os rói por serem incapazes de criar, e muito menos de o fazerem como Pessoa o fez, entretêm-se a morder as suas próprias pulgas na carcaça alheia que nunca as teve."
Carlos Amaral Dias
João Sousa Monteiro
in «Eu já posso imaginar que faço»
Sean Bacana
Tuesday, June 07, 2005
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3 comments:
Pronto Fiona, esta semana, devorver-lhe-hei esse livro, que de resto li, pouco, mas algumas tantas passagens!..já que é muito para esta cabecita pequena..LoL
Obrigado na mesma ;)
Seanito Porreiro
:)
A verdade verdadinha! E há muito que se diga desta passagem. Às vezes, é difícil engolir umas críticas à nossa sociedade. Mas levem lá co`ele (que eu também levo!)!
Sean Bacana
cabecita pequenina qual quê?!
só estes excertos revelam o tamanho da cabeça....
fiona bacana
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