Thursday, September 29, 2005

A year ago

Há um ano atrás assisti à queda de um mito pessoal.

Crescer agarradinha aos livros da Simone de Beauvoir tem destas coisas e internalizei a ideia de uma vida completa na minha casinha forrada a livros de capa nobre, sozinha, rodeada de serigrafias, álbuns de vinil e cd's. Uma vida em que era possível acordar de manhã e deixar correr a música pelos corredores decorados a tons minimalistas. Internalizei a ideia de que o desenvolvimento intelectual estava associado a uma charmosa solidão.

Por acaso, ou talvez não, tinha uma tia assim. Uma tia que se emancipou numa altura em que as mulheres que fumavam eram vistas como mulheres da vida. Não conseguiu lidar com as regras autoritárias do meu avô, e foi viver para Cascais. Viveu a era dourada do Frágil. Tirou o curso de Literatura Inglesa e Alemã, mas nunca deu aulas (não tinha pachorra). Viveu com o homem por quem se apaixonou aos 19 anos, ele mais velho do que ela quase 15 anos, contra tudo e contra todos. Contra regras sociais impostas, contra brasões, contra o diz-que-disse. Que eu saiba (que eu saiba...) foi o único amor da vida dela.

Continuou a vida dela. Dilacerada, mas continuou. Fez da frase as árvores morrem de pé um lema. Ressurgiu várias vezes na minha vida, em alturas marcantes - por acaso ou talvez não.

A última vez que ressurgiu na minha vida foi para morrer 6 meses depois. Uma morte estúpida, como todas as mortes de quem sai daqui demasiado cedo. Por negação, deixou que a doença que dizima a família (a minha e a dela, ou o que resta disso) tomasse conta dela. Porque quis morrer como sempre viveu: à maneira dela. De nariz empinado, solitária passeando a cadela à beira-mar, com os livros debaixo do braço. Um cigarro e um café na esplanada na Granja. Intencionalmente ou talvez não, as melhores amigas dela tinham a minha idade ou pouco mais.

Há um ano atrás, entre um abraço de um primo no funeral e os momentos a sós em que estive com ela quando o sofrimento (para ela) já não existia, percebi que a solidão é tudo menos enobrecedora. É tudo menos charme. E que não há beleza nisto, seja ela em que formato for. Morrer sozinha (não o último acto em si, mas o processo) é abjecto. Espero eu saber como não deixar que isso aconteça comigo.

by fiona bacana

1 comment:

Anonymous said...

Como se escreve uma lágrima????
Não sei...fica assim....